terça-feira, 20 de novembro de 2012

Desterro


Mesmo a terra, apesar de fria, tem calor em tuas entranhas.
Perpétua mãe deleitosa e sábia, alimenta e acolhe, tolera feridas, aconselha e sofre.
Sua ira é breve, seu desgosto invisível. E eu, como filho, me sinto vão.
Ignavo de ti, órfão, permeável de toda a tua essência, tolo, cego e nú.
De ti nada levo, de ti nada aprendo, me incomoda tua poeira em minhas botas e o bucólico crescimento de tuas heras.
Sou teu Jasão partido, máxima ofensa de teus ouvidos.
E, no entanto, me tens até os ossos e breve tornarei a brincar em teu íntimo.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Retóricas

Ainda me surpreendo quando me pego pensando em você.
Porque ainda me surpreendo?
São os passos do pensamento mais velozes que os meus?
São mais vorazes e inabaláveis, o coração acelera, o fôlego em descompasso.
O tempo goteja do relógio e a saudade fecha a torneira.
A solidão deixa um silêncio, um vazio, uma densa atmosfera, líqüida e intransponível, a respiração se fecha, os olhos tateiam a escuridão e as pernas se debatem no vazio.
A boca se abre o grito não sai, a dor penetra em cada poro e os órgãos falecem um a um.
Tudo ganha aos poucos uma inércia incomensurável, como no princípio, antes de fecundar-se a idéia da existência. Pois, era dois e desejava ser um, um ser, que já constituído em consciência torna a querer ser dois, teima em querer ser mais.
Acolhe os risos, os abraços, os prantos, os deslaços, acaba-se em febre, morre.
Esvai-se do pensamento, da memória e toda palavra labutar, privilégio de todo aquele que vive: ser esquecido.
E eu, que almejo minha existência numa folha de papel qualquer, nem que se diga: Viveu tolo e morreu.
Eu que desconheço o que não seja vaidade, ainda me surpreendo, quando dias como esse me fazem pensar em você.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O mundo de estimação


- Olhe Annabele! O nosso mundo!

- Nada de novo Charlie, nada de novo...

- Veja estas cores, veja esta vida! Atenta às pessoas e seus lares, repara nas coisas e como são belas. Os simples e seus empregos e veja os burgueses e nada lhes faltam, o tanto que sobra! E veja a dureza Annabele, a bela dureza, a escravidão, a fome, a pestilência e a espada. Olha como gira Annabele! É sempre o mesmo, puro, colérico e maldito. E cada voz que se cala é uma voz liberta, cada alma que esvai paga o dote da terra. Nenhuma existência é puramente tolerada. E isto é belo, a morte se regozija, sente o odor de seus corpos...

- Deixe-os em paz!

- Te incomodam?

- Não, apenas não entendem.

- Então lhes diga a verdade.

- Não seja cruel, Charlie.

- Quanto tempo lhes resta?

- Não muito, nem dá pra ser feliz.

- Queria inventar minha própria felicidade.

- Comece com a minha, conte-me uma história.