quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Um samba para minha Ismália


Sonhei que estavas
Em mim arraigada
Acordei, procurei por você,
Mas que nada

A paixão que na torre cantava
Se derreteu no luar
E cantou nossos sonhos de amor
nossos sonhos de mar

Te encontro à sorrir por aí
Quase o fim
Era pouco o que já restava
De mim

E, por pouco, o luar se escondeu
Para todo desencanto meu
Fiquei tonto, louco, rouco a gritar
Só pra ver se podias me ouvir
Tu não sabes voar

E por seu desvario
Fez-se o meu pranto cascata
Nunca mais eu soube cantar
Em outra serenata

Apagou-se a lua no mar
Foi assim
Escute este meu triste pesar
Bandolim

Não sei se por sorte
Ou o mais puro azar
Havia outra lua no céu
A nos iluminar

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Senhores, taes dez annos nunca ouve em Portugal como estes que reinara elRei Dom Pedro e a bela régia Inês de Castro, aquela, que depois de morta foi Rainha.


O coração pede versos
E a alma, ferida, padece
Não há na vida uma prece
Que desfaça infortúnio diverso

De nada mais me despeço
Levo a vida combalida
Teu nome verbo "inesqueço"
Minha amada inesquecida

Sinto-me preste a explodir
Ai, que qualquer dia adoeço
Em cada passo meu, um tropeço
Para um dia, enfim, me destruir

E me logro, dia a dia, de teu gesto
Em meus sonhos estás inanimada
Em canto qualquer, fria e marcada

A dor lacera e ordeno em manifesto:
"Que tragam o coração no fio da espada
Daqueles que macularam a minha amada"

Ai Amor, ai Amor, já me inesqueço
E mesmo fria ainda me traz felicidade
Quando me vem visitar sua saudade
Toda noite, logo antes, que adormeço.

domingo, 23 de setembro de 2012

Além mar remo


A boca se cala, a alma emudece
Lateja, lateja, saudade
Em qualquer canto do coração cresce
Memórias de felicidade

Morte lenta e dolorosa
Aguarda a qualquer um que se atreve
Remar na tormenta silenciosa

Remarei de tolo, ninguém ao meu lado
Este é meu sagrado e odioso consolo
Mais vale a morte e seu suspiro gelado
Ou a vida que esbanja calor como forno?

domingo, 16 de setembro de 2012

Cães que ladram na madrugada


Caminho pela madrugada
Ruas de pedra, corações de lata
Caminho e deparo com dois cães
Cães que ladram na madrugada
Porque cargas d'água?
Uma meia coragem me surge
Estou disposto ao chute
Nos cães, uma meia covardia
Só ladram, mostram os dentes, ameaçam
Emperram o caminho, me cercam
Cães que ladram na madrugada
Um impasse: Quem tem mais coragem?
"Eu ou os cães?" Sujos cães da madrugada
Uma fome me avassala, sinto ódio, sinto dor
Vazias estão todas estradas
Os cães feridos, famintos, sem um osso
Não há pedras só asfalto
Sangrentos cães da madrugada
Tomo fôlego como vinho
Os cães me rosnam, aguardam um passo
E eu aguardo que se desfaçam
Tolos cães da madrugada
Desfazendo do marasmo, pouco a pouco
Me movi, de leve, aos cães em meu caminho
Fiz-me de surdo, ignorante, aceitei o meu destino
Tristes cães da madrugada
Se ainda ladravam, não mais me incomodava
Dei passos largos em direção à outra estrada
Mortos cães da madrugada
Já não mais valiam os chutes que eu lhes dava.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Vilipêndio

- Sensação estranha.
- Qual?
- Essa de que poderíamos ser mais...
- Ora, mas não podemos?
- Sim, mas nos falta uma parte.
- Que parte?
- A parte em que somos nós mesmos.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Amélia


Quantas palavras um "ai" pode encurtar?
O "ai" da saudade até a distância encurta.
O "ai" do amor encurta o espaço e tempo.
O "ai" de dor todo e qualquer sentimento.
Ai! Que palavras ainda posso usar?
Ai! Não sei.
Quero um "ai" que encurte o luar.

Derrocaria

Dizemos "NÃO!"
o "SIM!" ganha com folgas.
Dizemos "SIM!"
o "NÃO!" se elege incontestávelmente.
Pedimos "Vermelho"
pintam tudo de "Azul".
Gritamos por "Justiça!"
nos dão "Barrabás".
Quando falar é permitido
e o ouvir já não se faz mais necessário.
Há que se levantar com força
romper as cordas que nos atam à... ei!
Curiosa é a televisão:
Uma janela que não adianta gritar com quem passa.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Combustão espontânea


Ele era um homem comum, com muito pouco de seu. Um homem que cantava aquilo que vivia e que seguia a labuta do dia a dia, como quem segue levando a cruz do nazareno.
Do que gostava era normal que qualquer um gostasse, a casa em que vivia, as coisas que desfrutava. Não havia grandes ambições, seu horizonte era apenas um ponto, se de fuga ou de final era um entre tantos outros. Um dia ouviu de boca miúda que "o mundo é de quem se atreve" trocou sua noite de sonho breve por um passeio no sereno. Sentiu-se, o homem comum, tão pequeno, não sabia o que dizer a quem se deve. "E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?" receou seu peito ao notar a solidão, e bateu na rua fria os passos acertando em contrapasso às batidas do coração.
O ar lhe regelou o peito e o sentiu, pela primeira vez, o matando pouco a pouco. Como "um sapato preto perdido do seu par: símbolo da mais absoluta viuvez" o homem comum retorna ao seu lar, e não se encontra mais com o que se contentar. Já acha tudo tão pouco, já sente tudo tão frio.
Tudo o que sente, um sufoco, tudo que tem, um vazio.
A partir deste momento o homem comum se viu como um palhaço saltimbanco e seu "coração que, entre gemidos, gira na ponta dos seus dedos brancos" sabe cantar com sentido o que os pássaros cantam por instinto. E "ficou, junto à correnteza, olhando as horas tão breves..." tornou-se esse seu mundo.
E aquele ar latente que o matava com certeza, como forma de absurdo, resolveu o homem comum respirar bem profundo.

sábado, 1 de setembro de 2012

O amor e o desacato


Acordei há pouco, um sabiá cantou em minha janela
Oque sabe o sabiá que o canto me desmantela?

E esse canto se confunde com os cantos do meu quarto
Em cada canto de espaço o canto do sabiá ecoa
Levando do canto o marasmo de tudo que não descarto
O amor e o desacato, a bruta fé que me povoa

Um canto cheio de vida
Um canto cheio de dor
Uma pergunta em cada estrofe
Em cada verso uma flor

Um lamentinho acolá
Para desinteressar
E recomeça mais brando
Com doçura e com encanto

Um canto que incomoda o desiludido e o amante atraiçoa
Que embalsama o ferido e que o infeliz se desapeque
Queria eu poder dizer o que este canto não consegue
"Vem, vem já, não se sossegue a lei da vida lhe abençoa"