quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Abismos


Tenho tido um sonho estranho
Sonho sempre que caio no abismo
E nele ouço sons de muito riso
Das lembranças de que me acanho

Doces vozes acompanham o coro
Me devoram com sua doçura
E me rogam toda sua augura
Se segui-las certamente morro

Que clemente, então, me seja a morte
Me arrebate o sonho e também a vida
Onde em seus braços eu terei guarida

Acordei do sonho estranho e sem sorte
E volto para o abismo da realidade
Dos risos, lembranças, doces vozes, saudade.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Quando eu era menino


"Quando eu era menino,
falava como menino,
sentia como menino,
discorria como menino,
mas, logo que cheguei a ser homem,
acabei com as coisas de menino. "
1 Coríntios 13:11

Olha garoto, o passarinho
Que belo em suas cores
Ninguém sabe das suas dores
Teu canto que é só carinho

Foi-se embora tal como veio
O belo pássaro, foi-se o menino
Que agora moço, canta em refino
Os lindos versos que agora leio:

Eu sei que um dia velho eu serei
Mas não me esqueço que fui menino
E que um pássaro cantou-me um hino
E por sua beleza me encantei

Mas foi-se embora o passarinho
Deixe-o ir e tomar todo o espaço
Tudo que vai com amor gera laços

A saudade, vem como torvelinho
Sabe a distância dos meus passos
E mantém tudo sobre meu caminho
Tudo ao alcance dos meus abraços.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

De soslaio, nem gota d'agua na garganta desce


Esta vida é feita de regalos
Logo eu, que fui nascer maldito
Me fugiu uns versos tão bonitos
Quem me dera poder encontrá-los

Meus versos são mote de perpétua guarida
Exaltam a vida e almejam a morte
É como o azar brincar de ser sorte
É como ser forte a cada despedida

Já muito pequei por estar muito certo
E mesmo errando abri sete mares
Fecharam-se as águas, ruíram os altares

E o mundo que é feito de podre concreto
Cerrou-se em um segundo, tornou a ser pó
E eu, sem meus versos, tornei-me a ser só

domingo, 16 de dezembro de 2012

Alegria de Ícaro


Voa alegria, voa
Voa que um dia lembrarás que aqui fica
A chorar tua partida um alguém que magoas
Voa, parta, cante a tua liberdade
Enquanto me visitam a tristeza e a saudade
Ora minha cara, nada a lamentar
Mesmo que venha a esperança me consolar
Não volte
Desfrute o belo horizonte
E se um dia se encontrar ferida
Voe para ainda mais longe.
Teu instinto não te nega
Tua vida é de cigano
Voa, voa alegria
Pois, se volta, sem engano
Te buscarão caçadores
Farão pra ti armadilhas
Conhecerás as dores
Do forcado e da cerquilha
Tu cantarás o sol
E só verás escuridão
Um céu de areia e cimento
Buscando só contentamento
Nos horizontes do coração
Voa alegria rainha
Enquanto minha dor caminha
Faz teu reino em cada canto
Se um dia tu foste minha
Honra teu inegável encanto
E não te esqueças que um dia
Viste os meus olhos de pranto.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Carta ao Nascituro


Ainda não te conheço bem, mas já quero te dizer muito da vida, posso ainda não ter vivido nada mas de oferta é este "nada", tudo o que tenho.
Guarde pouca coisa na cabeça, anote tudo o que precisar. Experimente ter amigos não pelo o que eles podem oferecer à você mas pelo que você pode oferecer à eles. Não vá atrás do riso fácil, deixe o riso te contagiar, quem muito ri, muito chora. Busque ser espontâneo, não queira agradar, não queira dissimular, se te chamam de louco por ser assim é porque assim jamais conseguirão ser. O que fazes com teu corpo e o que sai de tua boca são de completa responsabilidade tua, assim como tua letra e teu pensamento desviado de concreta forma, de modo que, jamais agrida tua própria moral. Se te gasta o pensamento e a alma fazê-lo, ainda não o faça e não terás do que se arrepender. Não te force a ter nada, além do necessário que a própria virtude. Dizer não, não te fará uma pessoa ruim, dizer sim e não cumprir, sim. Dose as coisas pelo que quer da vida e a vida pelo que quer das coisas. Antecipe-se, teus pés te levam longe, teu pensamento mais longe vai. De tudo acima pode em algum momento se esquecer, mas lembre-se: no que está errado refaça, no que está bonito elogie, no que te fez mal perdoe. Quanto a teus sentimentos, viva-os, não queira conter tua liquidez. És oceano, indomável.

São Paulo, 14 de junho de 1989

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Quadrata Mortália


A morte e teus traços femininos
Recordou-me quando fui menino
E quis da vida conhecer o além
E fui da vida mais do que ninguém.

Roubou-me o tempo o que me dava a vida
E fui da vida amante passageiro
Pois veio o tempo e passou ligeiro
Levou meus versos, minhas despedidas.

Foste a única a me dar guarida
Acalentou-me com teus braços frios
Minhas memórias foram pelo rio
Apaixonou-me a eterna partida.

Ai, me perdoa se te dei desgosto
Ai, me perdoa que não sou assim
Quis dar-te tudo que há de bom enfim
Meu mel suave não era de teu gosto.

E te dei muito, muito mais de mim
E fui entregue à minha própria sorte
O fardo da vida me roubou a morte
Lhe dei a mão e dancei sem fim.